18.3.17

Tristeza

Para eles é facto,
Para ti é sonho,
Para eles é plano,
Para ti é mito.

Para eles é absurdo,
Para ti é realidade.
Para eles é vaidade,
Para ti só noutro mundo.

Para eles é direito,
Para ti é luxo.
Para eles é injusto,
Para ti é silêncio.

Para eles é certeza,
Para ti é sorte.
Para eles é morte,
Para ti é tristeza.

Perspectiva do autor
O que nos desmotiva? O que nos torna tristes?
Sinto que parte dessa resposta pode estar na sociedade em que vivemos. Ser do "terceiro mundo", com certeza, tem um papel na nossa atitude como indivíduos. Não me refiro à tristeza por não ter o que comer ou onde ir buscar água. Refiro-me a tristeza na zona urbana onde, supostamente, existem condições básicas para sobrevivência. Refiro-me à tristeza dos que conseguiram deixar a pobreza da zona rural e a dos mais privilegiados.
Primeiro: existe um ambiente de miséria constante. Mesmo que, muitas vezes, muito bem disfarçado (principalmente nas zonas ricas das metrópoles), existe sempre um "reminder" da miséria que espreita. Um lembrete do sofrimento que existe e que tentamos esconder dos nossos olhos, tentamos esquecer. Mas, mesmo que aparentemente estejamos confortáveis com esse panorama, inconscientemente não estamos. Porque a miséria é mais do que uma realidade, é um sentimento que contagia. É uma miséria da alma, tão profunda que esgota qualquer esperança.
Segundo: com os avanços tecnológicos dos dias actuais, principalmente com as redes sociais, é possível ver em tempo real tudo o que estamos a perder. Para nós o termo "NOT AVAILABLE IN THIS COUNTRY" representa não só que não podemos assistir um vídeo no Youtube, mas que não podemos fazer planos, não podemos sonhar, não podemos progredir, simplesmente não podemos. "Tudo acontece e pode acontecer", "Tudo é possível se acreditarmos", "O sucesso é fruto do trabalho", "O limite é o céu"... menos aqui.   Não se vê a luz no fundo do túnel porque ela está apagada, e pior do que privação é roubar-se a capacidade de sonhar. Isso mata qualquer tipo de criatividade e alimenta um ciclo vicioso. É como se qualquer tentativa de tornar as coisas melhores fracassasse antes mesmo de começar e por isso, resolvemos nunca tentar. Essa sensação de insignificância/impotência/indiferença destrói a nossa auto-confiança, diminui a nossa existência e nos torna tristes. E aí, sim, não há saída.

S.N.

Imagem:www.pixabay.com

17.3.17

Medo

Cobre-me de confete e purpurina,
Esconde a minha alma peregrina,
Cala o meu canto feminista,
Escuta o meu sonho narcisista,
Celebra o meu futuro egoísta,
Abençoa o meu desejo consumista.

Amarra as minhas asas,
Recolhe as minhas armas,
Assume as minhas batalhas,
Silencia os meus mantras,
Invoca os meus fantasmas,
Acorrenta a minha alma.

Perspectiva do autor
Uma das razões pela qual não seguimos os chamados "sonhos", é o comodismo. É muito mais confortável seguirmos o caminho seguro, o caminho que muitas vezes foi "sonhado" para nós. É confortável, é seguro, é previsível. A alternativa parece ser sempre complicada. Porquê que raramente os sonhos são simples? Não conheço ninguém que tenha um sonho facilmente atingível, como ser pedreiro ou padeiro. O pedreiro sonha em ser engenheiro e o padeiro sonha em ter uma padaria própria. Não é interessante? Parecemos suicidas, sempre a procura de uma escada mais alta. E o resultado é que por almejarmos troféus tão grandes, tememos o caminho que nos leva a eles e acabamos frustrados. Mas é mais fácil ir na onda, ligar o piloto automático, sem delírios, acomodar-nos no medo.
S.N.

Imagem: www.pixabay.com